Senhor Parlamentar, ética não deve mesmo ser compromisso?

Dois dias atrás, navegando pelo Twitter, deparei-me com a seguinte notícia publicada pelo site do Estadão: “O que é ética pra você pode não ser ética pra mim. Ética éuma coisa abstrata”. Essa declaração do senador Lobão Filho seria a justificativa para excluir, no momento da posse, o juramento dos senadores sobre o exercício e a defesa intransigente da ética.

Vamos pensar um pouco sobre o que ele disse. Em primeiro lugar, sobre a palavra ética. Ética vem do grego ethos, e significa modo de ser e de viver em sociedade. Se olharmos mais a fundo o tema, perceberemos que ao lado dela está a moral, que é o conjunto de valores que o ser humano adquire em seu meio social mais restrito, são os costumes e os modos que incorpora na convivência com a família e o círculo mais próximo. A moral preexiste à ética, é inerente a todo ser humano. A ética sobreveio para “regular” e formar traços comuns às “morais” existentes na sociedade.

Então ele disse: “ética é uma coisa abstrata”. Ao buscarmos a definição de abstrato, vemos que a palavra significa aquilo que está na ideia, no conceito. No sentido coloquial, significa vago e impreciso. Se ele disse no sentido correlato, sim, não deixa de ter razão, embora tenha incorrido em uma redundância no mínimo tendenciosa – ao deixar a ética como algo que só existe no campo das ideias, exime, em teoria – como o fez – os próximos parlamentares da casa de porem-na em prática. Se o fez no sentido coloquial, mais um motivo para ser apontado: durante séculos, a ética, bem como outras ciências mais precisas e estudos que passaram do campo das ideias para o campo da ação - foi estudada e dissecada para que chegássemos a um mínimo consenso sobre o que é certo e o que é errado em nosso meio social. Assim, mesmo parecendo “abstrata” por estar somente no campo das ideias, a ética tem o seu valor profundo e arraigado em nossa sociedade.

Então, confesso que fiquei, no mínimo, confusa com a declaração do senador. O juramento que ele excluiu não é por si só uma garantia de não lesão aos valores fundamentais. Mas desconsiderar o juramento à ética como parte importante do início da vida política de um representante do povo é no mínimo, ignorar por completo um esforço conjunto de anos e anos de estudos de pensadores e de toda uma sociedade envolvida ao longo dos tempos na busca de um consenso por práticas comuns que não firam à vida em sociedade. “Descomplicar”, nesse caso, chega a ferir uma alma mais sensível a certos valores, sobretudo na vida política.

Não estou aqui pra dar lição de filosofia – nem de moral. Mas deixo uma sugestão ao nosso caro senador para que, de uma vez que excluiu o juramento de ética dos parlamentares, os faça ao menos estudar um pouco mais sobre o tema. Curiosamente, o Instituto de Legislação Brasileiro, ligado ao Senado, disponibiliza um curso gratuito de formação em Ética. Talvez o idealizador tenha justamente pensado na confusão que nós leigos e nossos políticos fazem a respeito de um tema tão importante e tão em falta nos dias atuais.

E então, aturdida, vou dormir ainda com a pergunta, de resposta óbvia... Ética: precisa mesmo ter compromisso com ela?

*Em tempo: logo após escrever este artigo, vi a seguinte notícia: Senador recua e incluirá 'ética' no juramento de posse.

Enfim, nem tudo está (tão) perdido (ainda)!


Sobre a Autora:
Núbia Camilo é professora por formação, cantora por hobby, jornalista freelancer e escritora por paixão. Mas, o que gosta mesmo é de pensar sobre a vida e de uma boa conversa.

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