Onde está Amarildo? Onde estão os mortos do tráfico? Onde estão os presos políticos?

Hoje saiu no UOL, uma entrevista com o novo comandante do batalhão da PM. Nela, o coronel José Luiz Castro Menezes respondeu algumas questões sobre a forma de atuação da PM do Rio frente as manifestações e, ainda, sobre o caso do desaparecimento, desde o dia 14 de julho, do servente de pedreiro Amarildo.

Ainda vasculhando um pouco mais, pode-se ver, em uma das fotos sobre o caso, manifestantes passando pelo túnel Zuzu Angel, em passeata contra o desaparecimento inexplicável de dezenas de pessoas desde a implantação das UPPs em algumas favelas do Rio.

O comandante está correto quando diz que não é possível saber se realmente aumentou o número de desaparecidos ou se esses dados eram mascarados até a chegada das UPPs nas favelas, o que justificaria um “aumento” desse número. Fico com a primeira ideia; não creio que uma das cenas de Tropa de Elite 2, que mostram o serviço “peculiar” de pessoas tirando a arcada dentária de corpos queimados, seja pura invenção ficcional do roteirista. Gostaríamos que fosse, mas não é.

Ao leitor mais atento, fiz questão de mencionar o nome do túnel por onde os manifestantes passaram: Zuzu Angel.

Para quem não sabe, Zuzu foi uma estilista de sucesso que entrou em confronto direto com a ditadura militar em busca do corpo do filho Stuart Jones, desaparecido. Stuart era integrante de uma organização contra o regime, e desde que ele desapareceu, a busca da estilista por explicações foi incansável. Só terminou com o acidente que levou à sua morte, depois de derrapar com seu carro no túnel que hoje leva o seu nome.

É curioso ver que algumas décadas depois, o mesmo túnel serve de passarela para manifestantes que também desejam explicações sobre seus desaparecidos. Todos querem saber, e choram por mortos – nem se sabe se mortos – que não puderam ver pela última vez.

A estilista era influente nos Estados Unidos e conseguiu, à época, apoio de muitas celebridades para a sua causa. Felizmente, hoje em dia, com o advento das mídias e redes sociais em alta velocidade, não é preciso ter dinheiro ou status para fazer repercutir um desaparecimento, como foi o caso do humilde morador da Rocinha. O mundo inteiro perguntou, em várias línguas, em várias grafias, em cartazes espalhados pelo mundo, de forma insistente: “Onde está Amarildo?”.

Para quem tem menos de 40 anos ou não procurou saber sobre a história política do país, o que acontece hoje é uma grande novidade, e motivo de choque. Mas a dura realidade é que, décadas depois do terror instaurado pelo regime militar com a instituição do AI-5, continuamos sofrendo e perguntando pelos nossos mortos: Onde está Roberto? Onde está Ana? Onde está Miguel? Onde está Maria? Centenas, talvez milhares de cartazes pudessem ser confeccionados e espalhados pelo mundo inteiro e ainda assim, não haveria espaço para tantos nomes de desaparecidos.

Como justificativa para tal, somente hipóteses. Na época da ditadura, o cheiro de morte saía de locais como o DOPS, e das demais dependências do regime; 40 anos depois, não se sabe ao certo de onde ela vem: se da polícia, se dos traficantes – de drogas, de pessoas – se da pura e simples maldade não organizada do ser humano, que se esconde por trás de organizações e do fervilhar de acontecimentos de abrangência ampla para praticar suas crueldades em larga escala. Fato é que, depois de tanto lutar pela nossa liberdade e fazer cessar o terror do silêncio e das crueldades praticadas sob o aval do Estado, estamos, ainda hoje, nos deparando com o mesmo terror petrificante diante da impossibilidade de saber sobre nossos familiares, vizinhos, pessoas próximas desaparecidas. Mas, nessa ocasião, a quem inquirir?

O caso Amarildo é um mistério. É precipitado afirmar a culpa da polícia ou de traficantes. Embora haja o direito e o dever de cobrar da PM, com quem ele foi visto pela última vez, ainda fica a pergunta: Teriam mesmo sido eles? E nos demais casos, quem foi? Para que lado “atirar”? Se há desaparecidos pelas mãos do tráfico, como punir, se toda vez que se prende um, outro vem em seu lugar? Enfim, ao ver tais notícias, vem sempre uma sensação de impotência, uma sensação de que não há como fazer cessar o círculo vicioso.
Mas não, não desanimemos: continuemos por estampar em nossos cartazes e mídias: Onde está...? Onde está?

A única coisa que não pode desaparecer é a nossa coragem.


Sobre a Autora:
Núbia Camilo é professora por formação, cantora por hobby, jornalista freelancer e escritora por paixão. Mas, o que gosta mesmo é de pensar sobre a vida e de uma boa conversa.

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