A passageira ao lado
Ao contrário da maioria das pessoas ele sempre gostou de viajar em transportes coletivos. Não por alguma convicção anticapitalista, ambientalista ou quaisquer outro "ista" do tipo. Mas sim, pelas possibilidades.
A certeza de que sempre haveria alguma novidade: pessoas diferentes, histórias diferentes, desconhecidos e todo o seu mundo a ser explorado o instigava profundamente.
Era um curioso compulsivo. Sempre foi. Mas não do tipo intrometido. Daqueles que lhe salta os olhos a ideia de aprender algo, conhecer, absorver, unir à sua bagagem de vida.
Uma data estava marcada. Uma nova jornada estava à vista.
Por mais peregrino que as páginas da sua história o descrevessem, nunca havia ido tão longe.
Coçava-se ao imaginar as possibilidades.
Havia uma mulher. Sempre há.
Com apenas um olhar de relance já detectou as suas características físicas mais chamativas: alta, pernas compridas, cabelos cacheados que certamente tocariam os seus quadris se estivessem molhados, boca pequena, lábios rosados, olhos negros.
Ao cruzar os seus olhos com os dela teve a premonição de que seria a sua parceira de viagem no estreito território destinado aos passageiros do avião. Ao medir mentalmente a proporção do espaço nos assentos com as pernas dela, riu discreto e sadicamente.
Ele, sentado, olhava pela janela. Ela, em pé, tentava impacientemente encaixar a sua bagagem no compartimento.
Ele, sentia-se observado. Ela, o observava.
Sua previsão estava certa e regozijou-se ao vê-la procurando ajustar aquele par de varetas na caixa de fósforos da cadeira ao seu lado. Quando finalmente conseguiu, sentou-se pesadamente e baforou irritadiça. Ele olhou para ela e comentou:
- Você tem duas opções: reclamar ao engenheiro por fazê-lo tão pequeno ou reclamar a Deus por fazê-las tão grandes. A má notícia é que nenhuma delas surtirá efeito. A boa notícia é que eu me divertirei muito nessa viagem.
Riu debochadamente sem mostrar os dentes. Ela resumiu-se num "Aff" e baforou mais uma vez.
Conforme o avião subia, a tensão entre eles também ia junto. Ele já conseguia perceber os sinais sutis e os não tão sutis assim que ela fazia.
Sempre achou intrigante e cômico os artifícios que as mulheres usam para atrair o par desejado. Sentia um certo fascínio pelo poder da visão periférica feminina. Como elas conseguem perceber tudo à sua volta. Como elas conseguem olhar diretamente nos olhos de um homem às suas costas sem sequer mover o pescoço.
Ele, recostado, olhava pela janela. Ela, mexia-se intermitentemente como uma criança sedenta por atenção.
Resolveu então ir ao banheiro. Ela, imóvel pelo erguimento súbito, queria saber o que ele faria. Passou uma das pernas sobre aquele par de varetas mal ajustados no espaço minúsculo, apoiou uma das mãos no encosto da cadeira e olhou-a fixamente quase que caindo em seu colo. Ela o olhava de baixo para cima. Parecia não respirar por aquele instante.
Os segundos anteriores somente pareceram menos intermináveis que a ansiedade da espera pelo retorno e o que poderia acontecer em seguida.
De volta, ela havia tido tempo suficiente para desta vez formular uma frase. Ao manifestar o movimento de passagem ele foi interrompido pela voz rápida que dizia:
- Se você quiser, eu levanto pra você passar.
Ele, continuando o movimento retrucou:
- Não se preocupe. Eu consigo passar. E se a aeromoça vier reclamar eu direi que a ideia foi sua.
Com um riso ele a olhou novamente. Ela nada disse. Não precisava. Seu olhar dizia tudo: Sacana!
As turbinas aqueciam o motor do avião, mas não tanto quanto o calor da tensão que pairava entre os dois. A comunicação entre eles resumia-se a diálogos esparsos, movimentos calculados e olhares indiscretamente discretos. Ao fundo, uma voz abafada anunciava a preparação para o pouso. Olharam-se como se dissessem "nosso tempo está acabando!"
Com isso, ele repentinamente ajustou o seu corpo em direção ao dela, passou seu braço esquerdo por sobre aqueles longos cabelos cacheados e apoiou no encosto da cadeira. Como um animal encurralando a sua presa fixou seu olhar ao dela. Ela olhou-o; rapidamente desviou seu olhar para baixo e retornou a fixar naqueles olhos castanhos claros cerrados e decididos em tê-la naquele instante.
Impetuosamente ergueu seu corpo em direção ao dela. Num movimento instintivo ela o parou impondo sua mão em seu peito; não por rejeição, mas por defesa natural. Eles, por segundos que pareceram horas, se encararam imóveis. Como que lendo os pensamentos dela ele argumentou procurando convencê-la:
- Nós nunca mais nos veremos!
Ela ainda com a mão no peito dele retrucou em apenas duas palavras:
- É estranho!
Ele treplicou na mesma quantidade:
- E daí?
E avançou mais contundentemente.
A mão dela que o impedia; cedeu. Agora deslizava pela nuca dele e entrelaçava os dedos nos cabelos enquanto finalmente sentia o sabor daqueles lábios que tentara imaginar como seriam por quase seis horas de viagem. Suas pernas compridas não mais se contorciam em seu espaço; agora espalhavam-se libertárias pelo território alheio.
Da parte dele, enfim, podia ter as mãos naquele corpo que o despertara seus instintos de caçador. Suas mãos curiosas exploravam desde a extensão das varetas passando pelos largos quadris e contornando a cintura afilada. Apertava, pegava, tocava, beijava. Entretanto, de alguma forma, parecia que não respirava. Saciando seu desejo naquela pequena boca convidativa. Ela o acompanhava.
Ficaram provando-se durante todo o resto da viagem. Não diziam nada. Não ouviam nada. Ou melhor, quase nada! Suas audições foram despertadas pela voz abafada que anunciava o pouso afortunado e os conscientizava de que era o infortúnio momento de conter-se.
Com o mesmo ímpeto que avançou ao espaço dela, agora retornara ao seu. Ambos ajustavam as suas próprias roupas amassadas. Ela reencaixava suas pernas no minúsculo metro quadrado que lhe dispunha. Olhava-o como se quisesse adivinhar os seus pensamentos. Já ele admirava a paisagem pela janela como se quisesse dispersá-los.
Permaneceu sentado enquanto ela retomava sua bagagem no compartimento.
Ela, o observava. Ele, sentia-se observado.
Em passos lentos e desordenados, iam em direção à porta de saída do avião seguindo a fila indiana de passageiros cansados e impacientes.
Já em solo firme, ela simulou a necessidade de prender o cabelo para avistá-lo novamente. Viu-o fazendo uma careta ao receber os raios solares diretamente em seus olhos, levando-o a retirar do bolso do paletó os óculos escuros. Pusera no rosto trazendo de volta a habitual face misteriosa e quase intransponível.
Seguiram seus próprios caminhos em lados opostos. E por fim, ele acertou outra vez em sua previsão: nunca mais se viram...
Era um curioso compulsivo. Sempre foi. Mas não do tipo intrometido. Daqueles que lhe salta os olhos a ideia de aprender algo, conhecer, absorver, unir à sua bagagem de vida.
Uma data estava marcada. Uma nova jornada estava à vista.
Por mais peregrino que as páginas da sua história o descrevessem, nunca havia ido tão longe.
Coçava-se ao imaginar as possibilidades.
Havia uma mulher. Sempre há.
Com apenas um olhar de relance já detectou as suas características físicas mais chamativas: alta, pernas compridas, cabelos cacheados que certamente tocariam os seus quadris se estivessem molhados, boca pequena, lábios rosados, olhos negros.
Ao cruzar os seus olhos com os dela teve a premonição de que seria a sua parceira de viagem no estreito território destinado aos passageiros do avião. Ao medir mentalmente a proporção do espaço nos assentos com as pernas dela, riu discreto e sadicamente.
Ele, sentado, olhava pela janela. Ela, em pé, tentava impacientemente encaixar a sua bagagem no compartimento.
Ele, sentia-se observado. Ela, o observava.
Sua previsão estava certa e regozijou-se ao vê-la procurando ajustar aquele par de varetas na caixa de fósforos da cadeira ao seu lado. Quando finalmente conseguiu, sentou-se pesadamente e baforou irritadiça. Ele olhou para ela e comentou:
- Você tem duas opções: reclamar ao engenheiro por fazê-lo tão pequeno ou reclamar a Deus por fazê-las tão grandes. A má notícia é que nenhuma delas surtirá efeito. A boa notícia é que eu me divertirei muito nessa viagem.
Riu debochadamente sem mostrar os dentes. Ela resumiu-se num "Aff" e baforou mais uma vez.
Conforme o avião subia, a tensão entre eles também ia junto. Ele já conseguia perceber os sinais sutis e os não tão sutis assim que ela fazia.
Sempre achou intrigante e cômico os artifícios que as mulheres usam para atrair o par desejado. Sentia um certo fascínio pelo poder da visão periférica feminina. Como elas conseguem perceber tudo à sua volta. Como elas conseguem olhar diretamente nos olhos de um homem às suas costas sem sequer mover o pescoço.
Ele, recostado, olhava pela janela. Ela, mexia-se intermitentemente como uma criança sedenta por atenção.
Resolveu então ir ao banheiro. Ela, imóvel pelo erguimento súbito, queria saber o que ele faria. Passou uma das pernas sobre aquele par de varetas mal ajustados no espaço minúsculo, apoiou uma das mãos no encosto da cadeira e olhou-a fixamente quase que caindo em seu colo. Ela o olhava de baixo para cima. Parecia não respirar por aquele instante.
Os segundos anteriores somente pareceram menos intermináveis que a ansiedade da espera pelo retorno e o que poderia acontecer em seguida.
De volta, ela havia tido tempo suficiente para desta vez formular uma frase. Ao manifestar o movimento de passagem ele foi interrompido pela voz rápida que dizia:
- Se você quiser, eu levanto pra você passar.
Ele, continuando o movimento retrucou:
- Não se preocupe. Eu consigo passar. E se a aeromoça vier reclamar eu direi que a ideia foi sua.
Com um riso ele a olhou novamente. Ela nada disse. Não precisava. Seu olhar dizia tudo: Sacana!
As turbinas aqueciam o motor do avião, mas não tanto quanto o calor da tensão que pairava entre os dois. A comunicação entre eles resumia-se a diálogos esparsos, movimentos calculados e olhares indiscretamente discretos. Ao fundo, uma voz abafada anunciava a preparação para o pouso. Olharam-se como se dissessem "nosso tempo está acabando!"
Com isso, ele repentinamente ajustou o seu corpo em direção ao dela, passou seu braço esquerdo por sobre aqueles longos cabelos cacheados e apoiou no encosto da cadeira. Como um animal encurralando a sua presa fixou seu olhar ao dela. Ela olhou-o; rapidamente desviou seu olhar para baixo e retornou a fixar naqueles olhos castanhos claros cerrados e decididos em tê-la naquele instante.
Impetuosamente ergueu seu corpo em direção ao dela. Num movimento instintivo ela o parou impondo sua mão em seu peito; não por rejeição, mas por defesa natural. Eles, por segundos que pareceram horas, se encararam imóveis. Como que lendo os pensamentos dela ele argumentou procurando convencê-la:
- Nós nunca mais nos veremos!
Ela ainda com a mão no peito dele retrucou em apenas duas palavras:
- É estranho!
Ele treplicou na mesma quantidade:
- E daí?
E avançou mais contundentemente.
A mão dela que o impedia; cedeu. Agora deslizava pela nuca dele e entrelaçava os dedos nos cabelos enquanto finalmente sentia o sabor daqueles lábios que tentara imaginar como seriam por quase seis horas de viagem. Suas pernas compridas não mais se contorciam em seu espaço; agora espalhavam-se libertárias pelo território alheio.
Da parte dele, enfim, podia ter as mãos naquele corpo que o despertara seus instintos de caçador. Suas mãos curiosas exploravam desde a extensão das varetas passando pelos largos quadris e contornando a cintura afilada. Apertava, pegava, tocava, beijava. Entretanto, de alguma forma, parecia que não respirava. Saciando seu desejo naquela pequena boca convidativa. Ela o acompanhava.
Ficaram provando-se durante todo o resto da viagem. Não diziam nada. Não ouviam nada. Ou melhor, quase nada! Suas audições foram despertadas pela voz abafada que anunciava o pouso afortunado e os conscientizava de que era o infortúnio momento de conter-se.
Com o mesmo ímpeto que avançou ao espaço dela, agora retornara ao seu. Ambos ajustavam as suas próprias roupas amassadas. Ela reencaixava suas pernas no minúsculo metro quadrado que lhe dispunha. Olhava-o como se quisesse adivinhar os seus pensamentos. Já ele admirava a paisagem pela janela como se quisesse dispersá-los.
Permaneceu sentado enquanto ela retomava sua bagagem no compartimento.
Ela, o observava. Ele, sentia-se observado.
Em passos lentos e desordenados, iam em direção à porta de saída do avião seguindo a fila indiana de passageiros cansados e impacientes.
Já em solo firme, ela simulou a necessidade de prender o cabelo para avistá-lo novamente. Viu-o fazendo uma careta ao receber os raios solares diretamente em seus olhos, levando-o a retirar do bolso do paletó os óculos escuros. Pusera no rosto trazendo de volta a habitual face misteriosa e quase intransponível.
Seguiram seus próprios caminhos em lados opostos. E por fim, ele acertou outra vez em sua previsão: nunca mais se viram...
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