O órfão

Desde criança ele aprendeu a ser adulto. A juventude fora um privilégio do qual não pôde se dar ao luxo de gozar. É sempre assim! Quando se é fruto de uma gravidez acidental, ganhar a vida não é uma escolha; é um fado.

Negligenciado aos braços de sua jovem e irresponsável genitora, também perdera os daqueles que o acolheram. Aos 10 anos, órfão de mãe; aos 15 de pai. A morte foi sua companheira prematuramente, ignorando a inexperiência que o impedia de compreender em sua totalidade a força permanente e irreversível de tal.

Conviveu num ambiente hostil e sem amor, e talvez por isso este sentimento confunda tanto a sua cabeça. Uma de suas irmãs fora praticamente obrigada a acolhê-lo; embora nunca o permitisse esquecer de que ele não era seu parente de fato. "O maior erro do mundo foi minha mãe e meu pai terem te pegado pra criar", clamava. Não é de surpreender que raramente parasse em casa. Nem sequer ousava chamar de lar. Não achava que fosse justo.

Gostava de visitar os amigos. Mais do que apreciar a companhia deles, gostava de invejá-los. Invejava-os por coisas tolas: adorava vê-los sendo repreendidos pelas mães por não terem comido tudo ou sequer almoçado. Na sua casa, acostumou-se a ter a comida colocada o mais escondido possível de seus olhos e o mais distante de suas mãos. Tinha a sensação de que a fome era quase um pecado imperdoável. Um frio na espinha ainda o aflige quando percebe algum incômodo no estômago.

Naturalmente, tão logo começou a ganhar o próprio dinheiro resolveu tomar seu rumo. A ausência de um lar, despertou o desejo de criá-lo. Porém, a independência e a liberdade custam um preço que, dependendo do quão grave sejam as intempéries do cotidiano, não se pode arcar. Um duradouro período de desemprego e a rua foi seu abrigo.

Sentiu plenamente a dureza da vida. E por mais clichê que possa parecer, aprendeu muitas lições: aprendera que geralmente a caridade não é encontrada nos locais em que é anunciada, aprendera a necessidade de ter para onde ir e, mais importante, ao final do dia, ter para onde voltar.

Todas as intermináveis noites solitárias, em qualquer lugar que lhe servisse como refúgio provisório, relembrava nostalgicamente dos últimos dias que dispunha de um teto sobre a sua cabeça, e administrava com rigor um pacote de dois quilos de açúcar refinado como sua única refeição diária. Por muito tempo, aquilo foi a única doçura que sentia na vida.

A ingrata realidade mudou, mas nessa jornada temporária, há marcas que são atemporais.

Ao caminhar pela cidade, permanece atento aos locais que supostamente julgaria serem seguros para pernoitar ao relento. Além disso, seus olhos cansados ainda brilham vendo o suculento banquete à disposição numa marmita qualquer largada nas lixeiras ou beiras de calçadas.

Como dito, fora apresentado antecipadamente à morte, e já com mais compreensão sobre ela, decidiu não temê-la. Tomou para si que isso não é a pior coisa. Que pior do que a morte é uma vida sem sentido. E por tal convicção e experiências, chegou a rogá-la. E de tanto o fazer, conseguiu; morreu! Ou melhor, renasceu!

Uma vez fora abandonado… hoje encontrou-se!

Uma vez fora indesejado… hoje é dono de si!

Uma vez fora menino… hoje é um homem!

Uma vez fora pequeno… hoje é gigante!

Porque homens verdadeiramente grandes não nascem grandes; tornam-se grandes!



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