Sentenciando "O caso dos exploradores de cavernas"

Inicio a minha argumentação saudando todos os meus nobres colegas colegiados que assim como eu têm essa dura missão de analisar e sentenciar tal fato que aflige a todos. Compadeço-me com todos por entender quão difícil é avocar para si a decisão de definir o futuro de um cidadão, ainda mais neste caso, cujo não apenas o futuro, mas a vida de quatro cidadãos da nossa Confederação.

Entendo perfeitamente a opção do nosso presidente do tribunal por fazer cumprir o seu ofício seguindo o rigor da lei, porém apelando para a clemência executiva superar a sua decisão.

Compreendo o nosso colega Foster por enveredar pelo jusnaturalismo convencendo-se de que os réus estariam num "estado de natureza" e não de sociedade civil para assim, livrá-los da culpa justificando que por tal razão não seria cabível aplicá-los às leis de uma sociedade da qual, embora momentaneamente, eles não fariam parte.

Exercito a empatia ao colega Tatting que optou por abster-se do fardo de condenar homens desesperados ou negar a norma da Confederação. No entanto, perante o postulado de plenitude da ordem jurídica, acredito que não podemos seguir a exemplo de Pôncio Pilatos e lavar nossas mãos num caso complexo.

Naturalmente que como aplicadores da lei não há espanto algum em ver o colega Keen usar do juspositivismo e abraçar tão ferrenhamente o cumprimento estrito do letramento legal, seja qual for a conseqüência. E concordo que o apelo à clemência executiva não deve ser algo que compita a nós colegiados do magistrado.

E, por fim, saúdo ao colega Handy por sua habilidosa hermenêutica e visão moderada do caso para definir o seu voto pela absolvição.

Estamos todos num verdadeiro dilema, senhores!

Quanto a mim, seguindo o raciocínio de Keen de que não é nossa exigir ao Executivo que seja aplicada a clemência numa eventual condenação, irei me ater apenas ao meu ofício de julgar. Desta maneira, pelos motivos já explicitados, não poderei acompanhar Tatting no seu caminho e abster-me de uma decisão. Também não poderei apoiar-me totalmente no jusnaturalismo como o fez Foster; não acho razoável que o "simples fato" de estarem presos numa caverna expostos aos instintos mais poderosos da natureza humana retirem dos réus a condição de membros da sociedade. Não obstante, também não vejo justiça, em tal situação, na aplicação exclusiva do juspositivismo defendido por Keen.

Portanto, embora nossa norma afirme que "aquele que voluntariamente tire a vida do outro" deve morrer, penso que a finalidade da lei é mais importante que sua literalidade; e acredito que a finalidade desta regulação seja punir maus cidadãos, mas não consigo ver estes réus como "maus" por terem feito o que fizeram na situação a que foram submetidos. Assim sendo, buscando uma visão moderada do fato, e talvez com menos habilidade hermenêutica do que o colega Handy, voto pela absolvição dos acusados.

Observação: Este artigo é um exercício no qual coloco-me como um dos juízes a sentenciar o homicídio fictício do livro "O caso dos exploradores de cavernas", de Lon Fuller.

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