O começo do fim

 O sol brilha com uma intensidade estranha, ensangüentado como uma lâmina afiada que corta o horizonte. A fumaça pinta o céu em tons acinzentados, e as nuvens, antes algodoadas, se foram, substituídas por uma cortina nefasta que se espalha assustadoramente pelo ar. Elas, que antes traziam promessas de chuva, agora se movem como fantasmas fugidios, carregando um peso que nem a água sabe mais aliviar. O vento, que outrora sussurrava histórias do oceano, tornou-se uma lufada rude, seca, carregando consigo o perfume amargo de terras rachadas, de florestas que já não respiram.

As árvores, outrora orgulhosas e imponentes, agora se inclinam cansadas, como velhos que perderam as forças. Seus galhos ressecados estendem-se como mãos suplicantes ao céu, pedindo chuva, pedindo alívio, mas só encontram cinzas. O verde parece um devaneio distante. Onde os rios antes corriam livres, a terra agora geme, sedenta por gotas que talvez nunca mais venham.

Nós? Nós continuamos a caminhar, pisando em estradas cada vez mais áridas, sem nos darmos conta de que carregamos o eco de nossos próprios passos como prelúdio de uma marcha final. O asfalto quente arde sob os pés descalços da humanidade, e cada estação parece ser a última, como se o outono já não fosse mais um ciclo, mas um epílogo.

Estamos cegos em nossa ânsia por acumular. Queremos mais: mais coisas, mais casas, mais carros, mais viagens, mais tudo. Sem percebermos que as passadas apressadas nos levam a lugar nenhum. Carregamos nas costas o peso de nossas posses, mas o que possuímos, na verdade, é uma ilusão - uma tentativa desesperada de agarrar algo tangível enquanto o mundo à nossa volta se desfaz.

Há quem colecione metros quadrados, quem transforme a vida numa corrida para preencher espaços vazios com móveis e objetos. Mal percebem que, ao redor, o vazio real é outro. Os lagos estão secando, as florestas viram fumaça, e o verde das notas não tem o poder de fazer brotar uma única folha no chão estéril. Os olhos, cheios de cobiça, não conseguem enxergar além das vitrines e telas que brilham artificialmente, ignorando que, do lado de fora, o céu, antes azul, agora carrega tons de cinza sufocante.

Nas cidades, o concreto se aquieta, sufocado pelo calor que se acumula entre os prédios. Os corpos se movem alvoroçados, mas não há fuga possível. O ar vibra com a tensão dos noticiários, os números, os gráficos, as promessas quebradas. Uma febre invisível, feita de dióxido de carbono e ignorância, corre pelas veias do planeta. E, ainda assim, seguimos em frente, correndo atrás de posses como se pudéssemos levar tudo conosco quando o fim nos alcançar. O tempo, antes aliado, agora parece nos escorrer pelas mãos como areia.

E quem se lembra do início? Do tempo em que o vento ainda era brisa, quando as noites estreladas eram frescas, e o mar cantava melodias de uma eternidade que nos tranqüilizava? O começo do fim não chegou de repente. Foi uma seqüência de pequenos descuidos, um hábito de fingir que sempre haveria mais - mais água, mais terra, mais ar, mais tempo. E agora, neste exato momento, quando sentimos o calor que aperta o peito, já não sabemos se há retorno.

As mudanças, tão amplamente faladas, são mais do que previsões de cientistas. São realidades cotidianas, o frio que já não chega no inverno, a tempestade que desaba no verão, as estações que perderam a memória de si mesmas. A Terra está cansada, sua pele marcada por cicatrizes de poluição, desmatamentos, queimadas, geleiras que choram seus últimos lamentos. Certa vez, um meteoro devastou o planeta e a vida nele. Hoje, esse meteoro somos nós.

Estamos diante de um precipício, e o salto não é uma escolha, mas uma conseqüência. O fim já começou, não com um estrondo, mas com o silêncio sufocado das espécies extintas, com o evaporar dos rios, com o desespero das florestas em chamas. As cicatrizes do planeta são também as nossas, mas parece que nem agora nos damos conta de que o tempo do amanhã já não nos pertence.

No calor opressivo de um meio-dia qualquer, é fácil esquecer que somos passageiros. Que o ar, a água, a natureza - tudo isso nos foi emprestado por um tempo breve, e que esse tempo, talvez esteja se esgotando. Porque o começo do fim não é mais uma previsão distante, mas um agora que pulsa, um agora que pede urgência. E tudo que acumulamos será apenas poeira diante da imensidão desse colapso.

E enquanto nós, infantis e arrogantes, tentamos apertar as rédeas do destino, a Terra, velha e sábia, continuará a girar, com ou sem nossa presença. E tardiamente constataremos que tudo que possuímos, afinal, nunca foi realmente nosso.

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